Pequenas confissões

Confesso que minhas lágrimas rolaram no dia em que consegui acessar o laudo da imunohistoquímica pela internet, foi o diagnóstico mais esperado naqueles dias e não apenas esperado, mas desejado! Sim, desejado! Saber que era um linfoma todos nós sabíamos, não havia o que esconder, não podíamos nos iludir. O cirurgião já havia me adiantado que pela experiência do patologista do laboratório em que foi feita a primeira parte do exame, devia ser linfoma de Hodgkin. Diante dessas palavras, unindo os escassos e superficiais conhecimentos sobre linfomas que até então eu havia adquirido, isso foi um bálsamo. Nessas pesquisas constatei que os linfomas de Hodgkin têm um índice de resposta aos tratamentos iniciais muito alto, o que os torna altamente curáveis. Havia passado a semana inteira torcendo para esse resultado se confirmar, e finalmente ele se confirmou. Chorei as melhores lágrimas do ano, lágrimas de alívio e muitas esperanças.

Ironias da vida!

Sempre fiz de tudo para não errar, para não cair nos mesmos erros dos meus pais e outras pessoas próximas. Muitas vezes deixei de me “arriscar” com medo de me machucar ou depois me arrepender. Mas vejo que esse medo me fez mais mal do que bem. Ao tentar me preservar eu deixei de viver muitas coisas! Meu pai viveu apenas 39 anos, quando diagnosticaram sua doença foi o mesmo que lhe darem sua sentença de morte, entregou-se à depressão e não reuniu forças suficientes para vencer. Isso foi um enorme golpe para mim, apesar de nosso convívio não ter sido próximo fisicamente, sempre estávamos em contato, nem que fosse para dizer um simples oi por telefone. De repente, isso não mais era possível.

Tenho uma família um pouco diferente, mas maravilhosa, e como diz minha avó, suigeneris. Digo sempre que fui criada por 4 pais, e todos são muito queridos, cada qual com sua própria personalidade, com um carinho especial e diferente.

Mas já me desviei do assunto...

Minha intenção era falar das coincidências, desencontros e ironias da vida.

Meu pai certa vez, quando estava doente, se emocionou com um comercial de TV. Já procurei na internet, mas ainda não o encontrei, pois deve ter sido veiculado em 1994 ou 1995. Era uma campanha de doação de órgãos, na qual era focalizada a região dos olhos de uma moça, os olhos estavam fechados. À medida que falavam sobre a doação de órgãos, caía uma lágrima e no ápice do fundo musical os olhos se abriam. A imagem era cinza, mas os olhos eram azuis, e percebia-se neles o sorriso que se anunciava pelo pequeno movimento dos músculos e rugas a seu redor. Jamais esquecerei aquelas imagens... Jamais esquecerei a emoção do meu pai e seu desabafo, por não poder doar seus órgãos...

Por ironia da vida, eu também não posso mais ser doadora de órgãos e tecidos. Sempre que o assunto foi posto em discussão, tanto em casa quanto em outros ambientes, eu fui a favor da doação, sempre disse que gostaria de poder salvar outras pessoas caso fosse possível, mas devido ao linfoma, mesmo depois de totalmente curada, eu não poderei doar nem mesmo sangue e plaquetas...